Gatos

A falta de argumentos deixou ele arredio:

- Mas ela gosta de gatos!

- E qual é o maldito problema? Você já não disse que ela é maravilhosa...

Havia quase duas horas que ele buscava um motivo contrário, mas a verdade não dava trégua. Sua consciência parecia ter lhe traído, finalmente dando um basta na discussão:

- Ela representa exatamente aquilo que você busca em todas, em tudo. Ainda assim você questiona... Ela é linda, incerta e interessante. Não era isso que você buscava para si?

- É...

- Ela é difícil de se alcançar. Ainda por cima, tem problemas e experiências que você nunca teve chance de viver antes. Qual a sua dúvida, afinal?

- Na verdade...

- Ela faz...

- Ela, ela, ela! Chega de me atormentar! Já tenho dificuldade demais em assimilar a situação. Me dá um tempo.

Tentou esquecê-la, inutilmente. Fechou os olhos e se pôs a pensar. O momento pedia razão... Mais que isso, pedia racionalidade! Deveria balancear os pontos dessa relação, ainda que platônica, e julgar a validade dos benefícios de amar tal mulher. Amar era um cálculo, afinal! Ele se confortou e começou a trabalhar no assunto.

A cabeça maquinava furiosamente, até que ele percebeu a ironia de seu comportamento. Queria racionalizar algo que seu peito lhe explicava toda vez que ela falava ou apenas olhava para ele. Não adiantava querer amá-la. O que ele sentia era simplesmente orgânico com os outros fatos da vida. Perceber a inutilidade do esforço novamente trouxe à tona sua consciência:

- Diga lá, chegou a uma conclusão?

- Eu? É... Não sei. Sinceramente não sei o que pensar de tudo isso. Pode parecer estranho, mas essa pequena decisão parece mudar o jeito como eu vejo as coisas.

- Talvez não seja tão estranho. Só o fato de você ter ponderado sobre isso já te faz diferente, concorda? Eu, mesmo sendo você, estou impressionado como nós percebemos o valor do seu amor na forma como eu guio nossa vida.

- E o que eu faço agora?

- Viva. O resto deixa comigo.

- Você tem certeza?

- Não, mas eu não me importo. Imagino que nem você, não é?

- É, realmente não. Só uma coisa que me deixa meio intrigado...

- O que?

- Ela continua gostando de gatos... E agora?