Casco sem atrito sobre o asfalto

Estou tomado de uma potência que me faz querer cavalgar o carro pela madrugada sem um rumo que baste. Quero arregimentar ombro a ombro meus infantes contra o moinho - sou o campeão das justas travadas na tundra urbana. Com a lança atravessada nas pás ou no peito do dragão dos ventos, eu cochilo e sonho e acordo entre acordes de Milton. Bastam-me alguns acordes! Quero rebentar as cordas contra a solitude do silêncio, que alegria é fazer melodia e dissonar.

Destilar a felicidade é uma alquimia distante tal qual o ouro curado do plumbum metallicum feio e maleável usado pelo homem para tantos fins que nem o ouro seria capaz de suprir. Por que então vale mais o ouro? A felicidade é essa áurea utopia: de nada vale, senão para iluminar a trilha dos reis magos. Sigo montado no dorso do carro através do breu piscado dos postes, degustando o vento no rosto.

Dominar a liberdade é um masoquismo sensual e inútil que chicoteia o próprio lombo para estimular o ritmo. De que adianta correr sem chegar? A liberdade é um combustível: da natureza não se extrai mais energia do que nela já circula, damos-lhe novos fins e isso tem de bastar. Agarro-me às rédeas dos cavalos mecânicos para me manter em movimento. Eu não posso parar.

Chegar ao fim foi, entretanto, ou será inadiável.

Bula em tercetos

toda vez que for sair de casa
abra a porta como se
rasgasse uma placenta

se abrir uma janela
pule por ela
com os olhos

tanto quanto for possível
ande a pé
e tome a rua errada