Aquário e molotov

Meu tio é fanático por pesca. Vida marítima, pesca esportiva, coleções de peixes exóticos, quase lhe brotam as guelras quando sai de férias. Esse hobby torna sua vida de trabalho duro menos estressante; sua alegria ao chegar em casa é alimentar e observar os peixes que habitam um enorme tanque que divide a sala de estar em dois. Aquele colosso de vidro, pedrinha e barco pirata naufragado abriga uma miríade colorida de cidadãos muito diferentes entre si que se respeitam mutuamente e não há conflitos. É fascinante. Tudo é provido por meu tio e todos eles vivem em paz.

Dia desses me interpelam com um tapa-pergunta na cara: “E pra você, o que é política!?”.  Não soube responder. Estava levemente embriagado e muito feliz, duas coisas que impedem um ser humano de refletir sobre assuntos que não lhe dizem respeito. Mas será que não diz? Queria poder dizer que não, que isso é assunto pra 1968 e seus universitários com alguma ideia mais firme na cabeça. Queria poder dizer que política é que nem futebol e religião, ipsis litteris de meu tio em conversa durante jantar de família – acomodado, olhando para os seus peixes ali do lado e fazendo a digestão. Os peixes me dão então uma ideia.

Não seria o aquário a forma perfeita de sociedade?

A vida é pacata; a comida, farta, ritmada, homogênea. Suas fezes flutuam à volta e o asseio é alheio a você. Diabos, sua memória dura três minutos e seu cérebro é do tamanho de um grão de arroz inchado. Todo mundo é diferente, ninguém come ninguém, não há predatismo nem sexo. Uma mão enorme é Deus, existe claramente e aparece duas vezes ao dia, coberta de luz, para prover. Só falta a televisão ali, em frente ao sofá. Isso é política.

O que eu quis dizer com essa minha tentativa de polêmica, de ironia? Isso também é política.

Outro dia desses um grande amigo meu, muito feliz e levemente embriagado, se disse orgulhoso de ser cria de um anarquista. Essa lembrança me veio meio difusa, diluída nos outros pensamentos, mas eu sei que fará algum sentido daqui a pouco. Espera... Depois eu retomo.

O que eu quis dizer com essa minha tentativa de polêmica, de ironia, é política. O ato de fazer política per se para mim é defender seu ponto de vista, e isso só resulta em polêmica ou ironia. Ou você se abala, se ofende pela proposta, ou a desmerece e a subestima. É um jogo de cabo de guerra que de acordo com os princípios da física é um grande desperdício de energia cinética. O aquário é perfeito porque não gera conflito e não se desperdiça energia, portanto.

Agora sim! Voltando ao meu nobre amigo anarquista, ele me confidencia saber ser o anarquismo uma proposta política natimorta. E o que é mais fascinante, isso não o impede de sempre a defendê-la com unhas e dentes. É o contrário de nosso aquário: a vida é conflituosa e o prazer é esse, ensaiar levantes, levar pancada, bater a poeira e gritar novamente. Idealismo puro e honesto, estúpido e fascinante. Quem afinal estaria com a razão?

A verdade – esta pantera – é companheira inseparável do sensato prepotente e do tolo idealista, comumente confundíveis. Política, meu caro, é, portanto, que nem religião e futebol. Vamos deixar pra depois da cerveja.