Contos de almoço

Como era bom o cheiro exalado pelo feijão, feito carinhosamente pela avó! Aquele odor era uma experiência multifacetada, sinestésica, que levava às narinas figuras deliciantes e toques macios representados pelo sabor e o som do feijão. Chegava até a causar uma leve confusão na cabeça fresca e faminta do infante, que brincava distraído na sala da casa com seus blocos de montar. Ele passava a imaginar cenas inteiras baseadas somente naquele cheiro, e como ele era bom! Banquetes medievais a luz de velas e com bardos tocando seus alaúdes, bobos tendo seus ossos quebrados e a corte fazendo o que uma corte fazia... Ou quem sabe, depois de assistir a tantos desenhos na manhã, fosse uma mesa de jantar colonial, em um sítio folclórico no interior do Rio de Janeiro, com uma figura matriarcal, roupas caipiras e muitos animais ao redor da casa. Animais e monstros, o que inevitavelmente incidia em uma refeição nipônica. Alheia aos répteis atômicos e aos alienígenas invasores, a família se serve, em suas cumbucas lindamente pintadas, de algas cruas, peixes crus, vegetais crus e litros de saquê para catalisar a digestão. Tantas cenas passando por sua cabeça deixavam o garoto ainda mais faminto ao se sentar à mesa, e o sinal de ataque dado pela avó o liberava para uma luta injusta e calmamente travada contra o prato de feijão preto. Seu cheiro se espalhava por todo o quintal da casa. As árvores pareciam poder sintetizá-lo e converter em energia para si o que antes era material de construção para mundos imaginários. O menino acabava sempre por dar um cochilo após o almoço; sonhava com dinossauros e cavaleiros.