Um silêncio vale mais que a palavra; o que é dito é absoluto, enquanto eu me calo e deixo que cada sílaba fale por si, e cada ouvido ouça o que quiser. Essas que estão aqui são apenas palavras vãs. É mister que haja sempre esclarecimento sem ordem e, acima disso, sem influência.
Entendam o que quiser, quero somente falar. Ironicamente, encontro meu conforto naquelas que tento rejeitar. Pois é, essas malditas palavras são meu ópio, serão minha ruína e enfim minha redenção.
Eu caminho consciente para o precipício que beira um delírio, um mar de fantasia. Essas palavras são de um louco, são malditas! Espero ingênuo por uma mão que me segure antes do derradeiro passo, porque meu medo me impede de parar.
São apenas palavras silenciosas de um louco.
Fio de lã
Ovelha ao lado de ovelha
Pronta para outro comando
Pastando na rua, pensando
Com pressa, ficando mais velha
A cada passo, outra passa
Por onde passaram primeiro
Mais pés, mais patas do inteiro
Rebanho no pasto da massa
Pois eu e a massa somos um
Anônimo, somos nenhum
Acima de mim, sou vocês
E eis que eu posso ser dois
Ainda ser eu, e depois
Ser, sim, alguém entre nós três
Pronta para outro comando
Pastando na rua, pensando
Com pressa, ficando mais velha
A cada passo, outra passa
Por onde passaram primeiro
Mais pés, mais patas do inteiro
Rebanho no pasto da massa
Pois eu e a massa somos um
Anônimo, somos nenhum
Acima de mim, sou vocês
E eis que eu posso ser dois
Ainda ser eu, e depois
Ser, sim, alguém entre nós três
Autor de si
O quadro emanava cores e formas astrais, acariciando o ego de seu autor. O Pintor dava apenas retoques finais, sabendo ser sua obra quase finita sobre o cavalete. E que obra! Ela elevava a arte a um nível sublime, inflando no observador todas as sensações capazes de serem estimuladas pelo belo. E que belo! O Pintor queria mostrá-la para todos, sair de seu apartamento para a rua, exibindo seu troféu de satisfação!
Mas aí ele para. Há algo errado com seu quadro. Olhando com cuidado, o Pintor percebe uma aparência um tanto cabisbaixa nele. O que havia de errado?
- Não sei, tenho me questionado... Bem, sobre esses paradigmas de sentido da vida e seus propósitos. Tu, Pintor, já te perguntaste por quê?
- Hã?
- Nunca foste curioso com sua existência? Na minha condição de obra, me aflige não compreender por quê eu sou quem sou. Tu, criador, és capaz de me sanar as dúvidas que te exponho? Realmente necessito ouvir isso de ti.
- Mas eu não fiz você com um objetivo, sabe. Eu simplesmente te fiz, sem esperar nada disso.
- Isso soa muito fútil, é impossível minha criação ter sido baseada num ato espontâneo de um homem! Seria destroçar minhas expectativas; e tu ainda por cima defenestras meu ego pela janela desse apartamento, agora tão insensível e sem alma. Não tens compaixão, ou não és sábio como eu esperava...
O Pintor se sensibilizou com o lírico desconsolo do jovem quadro, mas que podia fazer? A arte estava correndo pelas suas veias, não sendo calculada por seu cérebro; pelo menos, não conscientemente. Essa mesma arte era fruto do que ele sentia, não do que planejava. Será que um quadro entenderia isso?
- Não faz muito sentido para mim... Que queres dizer?
- Tente ver dessa forma: você é arte. Ela não precisa de um motivo empurrando-a, apenas de um gatilho acionado, e assim explodem formas e cores. Se eu resolver fazer um vaso, escrever um conto ou cantar, estou querendo mostrar que sinto vontade de ser humano. E você passa a existir...
- ...Afinal, eu sou arte... Sou eu, mas meu eu é tudo que fazes para te sentir mais próximo de ti, expondo-te pra te apropriar do que imagino ser ego, ser eu, na verdade ser tu. Pintor, como é o ser humano? Como é ser humano...?
- Pois é, como posso te explicar? É mais fácil pôr assim: um animal come, descome e dorme. É natural, se espera isso dele. Ele mesmo desconhece outras ações que o confortem, não é? Mas com um homem é diferente. Ele procura além do instinto, querendo o que lhe for belo. Quando o Pintor trabalha, ele trabalha pelo prazer de gerar prazer, por meio de algo que não é necessário à vida, mas que a torna agradável de se viver!
A alegria do Pintor tomou conta de seu quadro, lhe devolvendo cores e formas vivas como um astro de luz própria. Se sentindo novamente orgulhoso, ele suspirou profundamente e olhou pela janela de seu apartamento, buscando o mundo lá fora. Viu uma cidade densa e movimentada, um formigueiro de pessoas se locomovendo apressadas e atarefadas. O mundo que ele achou tentava esforçadamente parecer concreto e frio. Mas em cada cantinho da imagem via traços de emoção e imaginação. Seus olhos voaram da janela até pousar carinhosamente no quadro. Depois viraram para dentro de si e perguntaram quem na verdade seria a obra de arte, afinal.
Mas aí ele para. Há algo errado com seu quadro. Olhando com cuidado, o Pintor percebe uma aparência um tanto cabisbaixa nele. O que havia de errado?
- Não sei, tenho me questionado... Bem, sobre esses paradigmas de sentido da vida e seus propósitos. Tu, Pintor, já te perguntaste por quê?
- Hã?
- Nunca foste curioso com sua existência? Na minha condição de obra, me aflige não compreender por quê eu sou quem sou. Tu, criador, és capaz de me sanar as dúvidas que te exponho? Realmente necessito ouvir isso de ti.
- Mas eu não fiz você com um objetivo, sabe. Eu simplesmente te fiz, sem esperar nada disso.
- Isso soa muito fútil, é impossível minha criação ter sido baseada num ato espontâneo de um homem! Seria destroçar minhas expectativas; e tu ainda por cima defenestras meu ego pela janela desse apartamento, agora tão insensível e sem alma. Não tens compaixão, ou não és sábio como eu esperava...
O Pintor se sensibilizou com o lírico desconsolo do jovem quadro, mas que podia fazer? A arte estava correndo pelas suas veias, não sendo calculada por seu cérebro; pelo menos, não conscientemente. Essa mesma arte era fruto do que ele sentia, não do que planejava. Será que um quadro entenderia isso?
- Não faz muito sentido para mim... Que queres dizer?
- Tente ver dessa forma: você é arte. Ela não precisa de um motivo empurrando-a, apenas de um gatilho acionado, e assim explodem formas e cores. Se eu resolver fazer um vaso, escrever um conto ou cantar, estou querendo mostrar que sinto vontade de ser humano. E você passa a existir...
- ...Afinal, eu sou arte... Sou eu, mas meu eu é tudo que fazes para te sentir mais próximo de ti, expondo-te pra te apropriar do que imagino ser ego, ser eu, na verdade ser tu. Pintor, como é o ser humano? Como é ser humano...?
- Pois é, como posso te explicar? É mais fácil pôr assim: um animal come, descome e dorme. É natural, se espera isso dele. Ele mesmo desconhece outras ações que o confortem, não é? Mas com um homem é diferente. Ele procura além do instinto, querendo o que lhe for belo. Quando o Pintor trabalha, ele trabalha pelo prazer de gerar prazer, por meio de algo que não é necessário à vida, mas que a torna agradável de se viver!
A alegria do Pintor tomou conta de seu quadro, lhe devolvendo cores e formas vivas como um astro de luz própria. Se sentindo novamente orgulhoso, ele suspirou profundamente e olhou pela janela de seu apartamento, buscando o mundo lá fora. Viu uma cidade densa e movimentada, um formigueiro de pessoas se locomovendo apressadas e atarefadas. O mundo que ele achou tentava esforçadamente parecer concreto e frio. Mas em cada cantinho da imagem via traços de emoção e imaginação. Seus olhos voaram da janela até pousar carinhosamente no quadro. Depois viraram para dentro de si e perguntaram quem na verdade seria a obra de arte, afinal.
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