A lembrança começou com aquela flor no sapato, presa ali entre os cadarços sujos de caminhar depois da chuva. Estava despedaçada, seus restos depositados despreocupadamente sobre o chão de frio anormal. Assim como a flor. Eu recolhi o que consegui enxergar carinhosamente, botando com cuidado os restos sobre meu caderno em uma débil tentativa de recompô-la. Ela era linda, cheia de cores, apesar do estado deplorável de conservação. Assim como a lembrança.
As pétalas, as cenas, ambas estavam fora de foco. Minha ansiedade foi subindo pela garganta, e só parou quando botei os óculos novamente em frente aos olhos. Eu os havia tirado para descansar os pensamentos. Outra vez com as janelas abertas, minha alma então jorrou as cenas represadas.
Não importa a musa, mas o poeminha que escrevia seguia assim:
"Uma mulher é como um livro novo, um violino em staccato, uma sombra em praia deserta.
Um livro é como um arpegio em um piano, o Centro na quarta-feira, um segundo olhar feminino.
Um contrabaixo é como um bar silencioso, uma ninfomaníaca, uma redondilha em cavalgada.
Uma mesa posta na calçada é como uma mulher espalhafatosa (uma prostituta?), um poeminha de Bandeira, um violão chorando"
A lembrança se perdeu!, seguida da morena flor. A pequena era frágil e não aguentou a sorte que lhe veio junto com o vento e aquele amigo trazendo conversa pela porta.