A palavra dita é corrosiva.
Lidar com a força de um som que sai e instantaneamente marca a pele é demais para alguém que ama e se encontra no meio de um furacão. Diabos, na minha praia nem ao menos ocorrem furacões. O Rio de Janeiro não abrigava furacões nem terremotos antes de conhecê-lo. Essa geografia me deixa enjoada.
O diálogo sempre foi difícil e isso era esperado, foi tudo muito novo e vertiginoso. O garoto mal me conhece e vende a alma, vende promessas e me compra o coração. Demorou, mas eu vendi também. Dei, na verdade. Não conhecia o chão que estava pisando no maldito dia em que extendi a mão e deixei ele entrar. A vantagem dessa confissão escrita é que eu não tenho que falar nada na sua cara (de pau). A palavra dita é corrosiva. Não quero corroer, quero só dar um tapa bem forte na bochecha esquerda dele e olhar enquanto ele fica vermelho sem as tais palavras. É de vergonha? Deveria ser. Eu iria me virar e sair, se soubesse sair sozinha daí dessa sua praia distante; sairia com o nariz empinado e o peito acelerado, batendo fundo lá pertinho do chão. Ele iria se arrastar pelo asfalto e ficar sujo de guimbas e de poeira.
Ele, ou você, sei lá... Ele, melhor assim, não estou com coragem ainda de te olhar nos olhos de novo. Ele se preocupou tanto em me fazer feliz. Ele conseguiu. Não mais? Sei lá. Agora não estou com coragem. Estou enjoada. Na minha casa a família pergunta "e como anda o garoto?" sem saber que você foi a melhor coisa que me aconteceu nesses últimos tempos. Eles só liam o meu rosto corado do amor estampado na navalha. Suas palavras tão lindas, de deixar qualquer uma derretida, foram carvão e navalha. Agora me deixa de lado que eu tenho que curar o corte estúpido que você queimou em mim. Para de ser perfeito, para de me fazer te amar, pra eu poder respirar um pouco fora dessa fumaça toda.
Eu quero te ferir! Quero muito... Desgraçado, eu quero te cortar com a mesma força das palavras ditas por ele. Só não quero corroer. Falar não vai levar a nada, só à corrosão. Quero deixar cheio de hematomas. Fechar a mão e levá-la direto à sua bochecha esquerda pra fazer o vermelho ficar roxo. Assim você acordaria amanhã e iria se ver no espelho com muita raiva de si mesmo, e você iria socar o espelho. O vidro iria cortar a sua mão - eu seria esse caco. Ia afundar na sua pele, mas não iria te corroer porque eu sou uma idiota. É que a mulher tem disso, amar o garoto e deixar ele te machucar sem deixar de amar. Os homens tinham que aprender um pouco com isso e ser idiotas também, pois vocês só sabem prometer e mentir. Só sabem uma coisa, a mesma coisa, são sempre promessas e mentiras.
Meu deus, não consigo me livrar desse enjoo. Hoje é o aniversário da nossa comunhão e eu aqui, tentando salvar os cacos de vidro sujos do seu sangue. Considerando tudo, esse sangue também é um pouquinho meu, desde que você me sequestrou o peito e disse que ia fazer uma casa pra ele pertinho do seu...
Escuta, garoto, eu te amo. Pro inferno com essas palavras todas. Só quero você de volta quando eu me acalmar.