ode ao edifício x

espero no recuo um ônibus
que não é meu
mas é
a posse traz essas aflições
quando menos se espera
pode passar
meu ônibus, nem vejo
perdi
imagina?
e se perco a hora
e se perco a reunião
e se e se e sempre atrás da hora
atrás de outro ônibus, passou
nem vi
mas o pescoço numa dessas permitiu
uma leve correção 30º para o alto
no glossário cinematográfico
esse movimento se chama tilt
quando se deslumbra em eixo vertical
avisto o prédio num fundo filho da puta
de belo
espelho refletindo nuvem gaivota cor
mas e se o ônibus passa?
acabou
escorreriam as horas pelo bueiro sujo do recuo
e nem vi
vou perder mais um
mas e se?
fito um pouco mais
a imponência daquele concreto quase osso
olho de vidro, colosso e rimas
de rabo de olho, só tenho um ângulo
e não possuo muito mais
mas basta
mas e se?
olho e vem o brutamontes, todo petróleo e cadeiras
me chamando pra ser chamado
eu chamo
jogo o dedo, olho fixo no olho do motorista
ônibus no rio não se pega
se conquista

Terra rossa

na segunda lua do mês

, mulher,

tire a roupa
and lay down on the chair
o estofado é um quadro branco
canvas para ser rubricado
com seu ciclo telúrico
almagre, matéria-
prima do homem
e de todas as costelas

repasse o convite
ao pé
do ouvido
da mulher
ao seu lado
 ao seu lado
  ao seu lado
e ao lado dela

desenvergonhe
convide o judeu
o homem
e as crianças
para prestigiar seu ritual
fásico, marginal aos
calendários
e tão íntimo dessa olaria
que é o útero

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Coautoria de Giordana Pacini e Ingrid Gomes.

Em fogo brando

chorei baixinho fazendo o almoço
mas não tem nada não
a gente só sabe cozinhamar refogando cebolas

Meu corpo lateja o teu nome em código morse

embaça o campo em profundidade
na retina desvairada pelos carros cortando
a cem por hora talvez menos
meu corpo lateja o teu nome em código morse
e eu tenho um déjà vu no qual sonhava
um sonho de dançarinas a se lançar
pelo parapeito

pousando em terra batida, as dançarinas
gesticulam ritos balineses
suspendendo os flocos de terra por um instante
|
in fi ni t_æsimal
|
te vejo à meia luz na plateia povoada de rostos
angustiados enquanto o espetáculo não cessa
e te chamo, a voz não sai

já indo às tantas da noite desperto do sonho
em seguida desperto do déjà vu
e me deito
sem você
saber ao certo o tamanho das
minhas pupilas no escuro da sala
até onde sei, já estão maiores
do que esse apartamento
e ainda crescendo

Retorno à casa

liga a famosa música de transar
e deixa as luzes estroboscópicas
se derramarem sobre a decoração infantil
no canto da mesa de trabalho
fazendo companhia ao computador
à roupa amassada, à caixa de óculos
escuros perfeitos para disfarçar a ressaca
de insônia depois do agito na madrugada
eu só consigo pensar em como te provar
eu só consigo provar
mais um
ponto
racional sobre
a questão que discutíamos um par
de semanas atrás e que teima em voltar
para o telão nesse grande estádio vazio que é
a minha cabeça a essa hora, e eu sei
eu sei, eu me odeio
todo notívago é deficiente de amor próprio
em termos inconscientes
não sobram muitas maneiras de fugir
se você possuir um par de sapatos confortáveis
vá fumar um cigarro a passos curtos
se possuir uma bicicleta, não se vá
sem antes fornecer gelinhos para a água
que habita a garrafa térmica
mas se você
ah, se você possuir
uma carruagem possante
dezesseis dezenas de cavalos fósseis sob o capô
não hesite
corra
com a música de transar roendo as caixas de som
e a janela aberta pra deixar entrar o ar rarefeito
dessa atmosfera porcamente iluminada
pelos postes que piscam e o eventual letreiro
de birosca
senta
sente a adrenalina
de saber que é só errar um reflexo
e o aço embrulha para presente, tanto faz
tanto fez que agora não sabe para onde ir
retorna à casa
apaga a luz
acalma o batimento

Postal

foge, foge!
tentam fugir escaralhados
de um vermelho que nasce quadrado
por puro reflexo
os caretas
eles acordam
em um bocejo
o bocejo matutino dos caretas
não toma conhecimento
do trem que rompe o horizonte
em linha
e lênin
sobre a locomotiva, herói de capa e enxada
desce para tirar água do joelho
engatilhar seu fuzil
e disparar cartas


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transdução do poema sem título de Augusto Meneghin:

ninguém nas manhãs
irá contra
o serviço postal
do sol