Aquele homem possuía fortes lembranças de uma certa ponte da cidade. Frequentara quando criança, usando-a de trampolim para mergulhar em um infinito salgado e se deixar levar pela maré. A ponte que abrigava barcos, a que sustentava carros, que equilibrava pedestres. Passarela branca sobre a entrada de uma área protegida perto do porto. Ele a cruzava nos dias de chuva, sempre olhando para o mar que lhe banhava os pés, nunca sabia se da ponte ou dele. Sob sol de verão, não importava. O corpo buscava mergulhar até a base da sustentação, parecia ser uma provação chegar tão fundo só para mostrar ser capaz! E ele era. Seus pulmões doíam enquanto apenas um punhado de raios solares iluminava os pés daquela apoteose submersa, invisível a olhos distraídos.
Passaram-se anos e o homem se distanciou. Era homem do continente agora, insensível à maresia quase sólida daquele antigo recanto. Ele era homem telúrico: desaprendeu a nadar. Nem chegou a reparar quando isso aconteceu. Também ignorou quando suas narinas desacostumaram ao cheiro constante do sal, assim como a pele foi se tornando seca. Vivia sobre o chão que equilibrava prédios, sustentava avenidas e abrigava poluição. Havia carros, pessoas também, mas sempre retilíneos, enfileirados. O homem sentia falta de algo, mas não sabia exatamente o que.
Constantemente em ofício; O homem era ocupação. Quanto mais se ocupava, mais oportunidades de se sobrecarregar ele tinha. E ele o fazia. Cada vez mais, cada onda de trabalhos arrebentava, exercícios espumavam sobre si, suas leituras corriam para os lados e se derramavam sobre o vazio de uma cama dura e mal iluminada. Apenas o sexo não tinha ritmo. O homem precisava escapar da sua vida e não sabia para onde correr. Sempre escorregava quando começava seus passos.
Fugir era inútil, então ele se entregou.
Apenas deitou e deixou que a maré o levasse um pouco. Lembrou, alegre, daquelas marolas que lhe entregavam aos braços da ponte branca. A imagem não durou muito à sua volta, logo alguém veio lhe trazer à tona. Disseram-lhe que a vida seguia e que era preciso viver para acompanhá-la de perto. O homem mergulhou de novo, várias vezes mais ele tentou se desvencilhar das mãos que o traziam para a superfície, mas sempre havia dedos para agarrar-lhe a gola e impedir que se afogasse. A frustração foi crescendo por dentro, doendo como um pulmão privado de ar. E o ar nunca vinha, apenas goles de água. A respiração rítmica deu lugar a soluços em leve desespero, logo os soluços eram pranto e as lágrimas inundavam o quarto; paredes claustrofóbicas, a água escorria por elas e pelo chão ficava.
Chega um momento em que o ar acaba. Pois nesse momento, a solução do homem foi se afogar.
Está ótimo esse texto.Você conseguiu muito bem retratar a saudade do homem,seu desespero,sua relação com o mar,sua infância...Muito bom :)
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