Enxaqueca

Uma profunda dor de cabeça o atormentava naquela noite. A caneca de cerveja normalmente não seria o melhor remédio, mas a noite clamava por uma. Afinal, eram três horas de uma quente madrugada de sábado, três malditas horas depois de resolver sair com amigos do tempo de escola. A noite trouxera resultados péssimos. Estava agora apoiado em seus cotovelos na bancada de um bar, olhando para dentro de seu copo meio vazio, esperando que o álcool fizesse efeito. O sangue ia se diluindo em suas veias na medida em que suas pupilas iam se dilatando. Queria esquecer as três últimas horas de sua vida, resgatara o passado do fundo de sua mente e se arrependera disso.

Sabia que chegara, horas mais cedo, no restaurante combinado esperando encontrar velhos companheiros. Não contava era com a presença de um antigo amor. Nem sabia se poderia chamá-la de amor, chamava-a de Luiza, isso bastava. Junto a ela havia também um acompanhante, alguém que passou despercebido na memória, mas que sepultava enfim a esperança que perdurara uma vida. E a flor do menino, que amadurecera anos esperando correspondência, secou ao cabo de uma hora. Luiza era virtualmente perfeita, e vê-la inatingível ao seu lado foi o derradeiro golpe da noite em sua cabeça. A dor latejava incessantemente. Após o encontro ele rumou entorpecido pela rua, a decepção o guiou para longe dali.

A dor de cabeça agora era boa, fazia-o esquecer o que se passara. Havia ao seu redor apenas decorações vivas de um teatro trágico. Pensou em destino, em sorte, e voltou seus olhos para sua bebida. Olhando ainda para o copo, ouviu o barulho repentino da rua entrar no ambiente e rapidamente cessar. A porta do bar se abrira para a passagem de uma figura mística. Uma mulher belíssima, alta e de fulvos cabelos longos atravessou devagar e decidida o ambiente. A luz indireta nas paredes trazia à vista uma imagem etérea, mas a figura feminina a perfurou lentamente. Horas antes, malditas três horas antes, essa mesma mulher o havia tirado desse mundo, agora chegava puxando-o de volta com violência. Ele se viu sem ação, seu copo meio cheio vacilou em sua mão. Antes de qualquer instinto ou reação, Luiza se sentou ao seu lado. Ela falou a meio tom, sem encará-lo: "Por que você saiu daquele jeito? Deixei até meu irmão lá no restaurante, queria te ver. Estava com saudades de conversar contigo". Irmão?

Finalmente, a realidade lhe acertou em cheio no rosto, levando junto a enxaqueca. A noite ganhava uma feição mais agradável agora, e a vida ganhava uma luz. O calor e o burburinho foram esquecidos junto com as horas anteriores, detalhes apenas. Começava assim um novo dia, e mesmo sem ter a certeza, havia consigo a ingenuidade necessária para sonhar.

7 comentários:

  1. Vejo algo bem pornográfico em seu texto.

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  2. Vejo a subjetividade por tras seu texto. Gostei!

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  3. É "fulvos"! Falei com a Julia e aí ela lembrou, e, de repente, tudo ficou claro como alguma coisa translúcida.

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  4. Seus contos são excelentes cara, sem comentários. Inspirar-me-ei em suas prosas a fim de fazer algo ao menos ao seu nível, em se tratando dessa ala de escrita.

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  5. Está me conquistando Arthur...

    Quando me conquistar por completo eu te pago XD

    (o dinheiro, não o que você pensou seu pevertido)

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  6. gosto muito como vc descreve seus pensamentos Arthur, parabéns

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  7. caralho quero ser que nem você quando eu crescer

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Surpreenda-me.