Pouco reparara antes no parque em frente a seu quarto, sempre vazio. Se assemelhava a um bosque europeu, calvo e organizado. Sua infância fora próxima a esse parque. Um período recente, mas já afastado pelo abismo da adolescência e que levara consigo a simplicidade e a alegria que o local trazia. A vida tinha se tornado agora curta e efêmera para se viver, o imediato valia mais do que o prazer do incerto. Pensava nisso quando resolveu se sentar à sua janela e assistir ao Sol trilhar o céu da tarde. Havia um mundo esperando por ele fora da porta do quarto, mas se convenceu que tardes de domingo mereciam uma paz, mesmo que forçada, para dar trégua ao corpo cansado. Olhou para fora e enxergou o parque.
Naquela específica tarde estava ela ali, sentada a um banco distante, segurando um livro e balançando despreocupadamente sua perna rente ao chão. Um movimento fútil, difícil de chamar a atenção de olhos distraídos. Contudo, foi ele que o hipnotizou, deixando-o fixo em seu posto. Não deveria ser assim, ele só queria ver passar o tempo, ganhara agora uma ocupação que o induzia a um transe bobo. A trégua deu lugar a uma avassaladora curiosidade por saber quem seria ela. Incomodamente, a imagem abrira portas para pensar rostos e personalidades. Desacostumado a enxergar tão pouco e ver tamanho conteúdo, deixou-se estar naquele momento infinito e inerte no tempo. Encarar o baque do esclarecimento foi uma tarefa ingrata a princípio; a mulher (seria uma menina apenas?), na medida em que o instante se tornava período, tomava formas e deixava-se etérea na mente dele. Cabelos negros, fios de azeviche, tornavam a trilha do Sol mais delineada sobre ela, e ela respondia à mágica da cena com indiferença. Ele estava com medo agora. Pensava em como saciar o espírito de outra forma que não ir lá de imediato e perguntar ao menos o nome da mulher. Para evitar o impulso, agarrou firme no parapeito e desejou esquecer tudo, pensou no branco, no zero, no nada.
O barulho de uma porta se abrindo o acordou, assustando-o. Parou para se lembrar onde estava, sabia ao menos quem era. Ou quem deveria ser. A janela sumira e ele estava em pé em frente a um espelho. O ambiente se assemelhava a um banheiro, seu banheiro. As mãos estavam doloridas por estar agarrando fortemente as bordas da pia. Levantou os olhos e encarou o espelho: atrás de si, refletida na imagem, estava uma mulher parada na porta, linda e com cabelos de azeviche. Ela o olhava de forma afetuosa e feliz, enquanto ele voltava seus olhos para o próprio reflexo e tentava entender o que estava acontecendo. Sentindo então ser envolvido por um tenro abraço, olhou a mulher e desejou se lembrar de tudo. Ela lhe beijou a face e foi sentar-se na cama do quarto, em frente à porta do banheiro. Pegou um livro ao lado e começou a ler distraidamente, balançando sua perna rente ao chão. Ele lavou o rosto, suspirou ao se voltar para trás e perceber que não havia enganos, o mundo era o mesmo de antes. Apenas acordara para a vida.
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