Era certo haver naquela tarde um clima mais pesado que o usual. Não queria sair perguntando ao vento o que estava errado, tampouco queria ouvir a resposta. Decerto o vento era presença mais agradável que qualquer um, era um ótimo ouvinte e companheiro. O Rapaz estava irritado era com as pessoas. Cada palavra cuspida ultimamente por elas estava tornando sua vida uma progressiva tortura. Sequer sabiam elas seu nome, talvez nem notavam sua presença ao redor. Elas só viam o que lhes convinha no mundo, e se não precisavam dele, simplesmente o ignoravam.
Com esses pensamentos no bolso, o Rapaz andava por um dos corredores frios de sua faculdade. O chão de pedra apenas tornava mais gélida a via crucis até sua sala de aula. Compenetrado em sua procissão, esbarrou distraído em um velho que cambaleava no sentido contrário. O Rapaz parou para se desculpar, notando que o idoso balbuciava algo para si, com olhos vazios e atônitos, e essa cena deixou-o intrigado. Se sentindo desconfortável, botou uma mão no ombro do homem e perguntou:
- Está tudo bem com o senhor?
Como se ele acordasse de um transe ou um sonho, voltou seus olhos lentamente para o Rapaz. Abriu um infantil, porém deprimido sorriso e, com uma voz experiente e cansada, respondeu:
- Ah! Não tinha te visto... Está tudo como deve ser, a vida é a gente quem faz, não é?
- Se você diz...
- Não! Não sou eu quem diz, é a própria vida. Meu jovem, eu que lhe pergunto, tudo bem com você?
Em qualquer outro momento, esse questionamento enfadonho faria o Rapaz se deleitar ao imaginar um enorme buraco negro sugando a senil aparição. Mas havia na voz dele um tom agradável, impedindo que a atenção fosse desviada. O estudante se viu impelido a responder sinceramente àquela criatura triste e frágil. Suspirando, falou:
- Eu estou ótimo... As pessoas é que parecem não estar bem comigo por perto. Também não posso reclamar por me desejarem mal, apenas acho que elas simplesmente não desejam, não me sentem nem me percebem.
- Meu caro, acredite: sei precisamente como se sente! Melhor que ninguém, posso lhe dizer que você está enganado. Se incomoda de se sentar um pouco comigo? Como vê, estou velho e cansado, não se deve deixar um velho falante em pé - ele tende a falar mais e mais. Vamos, sente-se aqui.
O banco indicado se encontrava em uma parte aberta do corredor, por onde o sol entrava e trazia um pouco de luz e calor ao ambiente recluso. O Rapaz se sentou distraído ao lado do velho, enquanto esse se ajeitava devagar sobre o assento. Paciente com a inesperada nova companhia, ele ajudou-o e cruzou as pernas, observando o movimento de pessoas à sua volta. Elas cruzavam pela sua frente sem aparentemente notar a cena pitoresca; parecia ao Rapaz que apenas ele tinha consciência da presença do velho ali ao seu lado, presença essa tão incomum. O velho parecia também acompanhar o andar dos passantes, e por fim disse:
- Cada passo para eles é tão curto! Sinto que deixei de dar apenas passos há décadas! Hoje sei que cada metro avante é uma odisseia para meu corpo. Isso o torna um herói, não é? - ele deu uma risada sarcástica, parou por um momento e prosseguiu - São esses os causadores da sua aflição?
- Estou sempre cercado por eles - o Rapaz sorriu irônico, mas com certo desamparo - O mais engraçado nisso tudo é que eles todos convivem muito bem entre si, e só eu pareço me sentir sozinho.
- Diabos, vocês crianças sempre se julgam diferentes. O que vocês sabem? Ouça bem e talvez você aprenda: quem lhe segrega é você mesmo. O quanto eu custei para aprender isso! Hoje estou muito bem resolvido com isso.
- Você aparenta ser tão solitário. Duvido que seja assim tão bem sucedido, senhor...? Err... Como é mesmo o seu nome?
- Em nenhum momento eu mencionei sucesso. Nem meu nome. Seja mais perspicaz! Os anos se avolumam sobre minha costas, e para cada vela no meu bolo há uma grande decepção. Vivi na espera de um grande amor, uma forte amizade, esperei tanto! O que eu quero lhe dizer é... É que você não pode ficar simplesmente culpando os outros, sabe? Levante-se e faça você essa amizade ou amor, é o que digo, levante-se e fale! Quem me dera eu tivesse alguém falando isso para mim na juventude...
- O senhor está abalado, acalme-se um pouco - realmente havia uma lágrima no rosto enrugado do velho, uma gota de lástima ou de ímpeto - Se servir de consolo, foi um prazer lhe conhecer. Sério. O senhor é um homem muito inteligente, lhe falo honestamente.
- Muito obrigado, meu jovem, você está sendo generoso - o idoso desolado deixou escapar um sorriso de satisfação.
- Deixa disso, suas palavras foram realmente esclarecedoras!
O Rapaz pousou confortavelmente sua mão sobre o ombro do velho entristecido, que deitou um olhar profundo em seus olhos e depois se voltou para o chão. Aquele chão de pedra era impiedoso, frio e implacável. A figura senil parecia reunir forças para quebrar o silêncio que se seguia, esfregando as mãos nos joelhos. Enfim se levantou, mais calmo, acompanhado do Rapaz. Sorriu uma despedida tímida e começou a se dirigir sozinho para as escadas na saída do corredor escuro, dizendo sem se virar:
- Guarde bem minhas palavras.
O Rapaz acompanhou atônito a odisseia do velho rumo às escadas por alguns instantes. Quando o idoso estava a apenas um metro do primeiro degrau, o estudante de repente se agitou e gritou:
- Espere! Você não me disse seu nome...
- Sim, é verdade... - o homem, virando a cabeça de lado, sorriu pelo canto da boca - Meu nome é Ostracismo. Talvez um dia você esqueça meu nome, talvez esqueça que me conheceu. Tanto melhor. Adeus!
O Rapaz se manteve atônito na mesma posição, enquanto via sua recente companhia sumir nos lances das escadas, passando fluidamente por entre as pessoas apressadas que subiam e desciam ao seu redor. Apesar de tão pitoresca figura, ninguém parecia notar sua presença.
A solidão alimenta o sonho,
ResponderExcluiro sonho alimenta o desespero,
o desespero o ódio,
o ódio a solidão.
O que é viver a vida?
Muitas opções para um mesmo fim, poucas palavras para uma mesma ação.
Fadados a isso, caminhamos para nossas experiencias, sucessos e deçepçoes.
Seguimos nosso rumo despreparados e conscientes de alguma opiniao idiota e original...que seja.
Alea jacta est.
texto legal kra.foi mal a demora.
A UFRJ realmente é musa!
ResponderExcluirSó isso que falo,
ótimo texto.
Ótimo seu texto. Gostei do seu blog. Voltarei mais vezes. =)
ResponderExcluirConfesso que fui lendo o texto e imaginando a história nos corredores escuros da ECO.
ResponderExcluirAchei que no final seria um diálogo dele com ele mesmo..
e pensando bem, os corredores ECO tem um clima bucólico bem propicio...
a escrita é impecável!
=)
Agradeço o reconhecimento de todos! E viva o sangue de Minerva, nossa Ufrj é musa e pesadelo...
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEu achei você no blog Textos Sem Contexto que uma amiga minha segue. Fui entrando. rs
ResponderExcluirVocê estuda na UFRJ? Vou prestar vestibular pra lá esse ano. Quero Comunicação Social. ^^
(ah, desculpa os dois comentários errados acima. Não revisei nas duas vezes antes de mandar) ;p
A-ha ;) um conto. gostei, vou refletir...
ResponderExcluirCaracaa! Sério? Que droga, hein. Vai acabar comigo. Que maldade, poxa. aushaushauhsua
ResponderExcluirAh, quero saber quem é você agora. Já tá terminando a faculdade ou faz pouco tempo?
(se liga no blog virando orkut. rs)
Muito bonito. É triste, mas como é refinado até esquecemos disso e nos reconhecemos um pouco no velho e no moço.
ResponderExcluirbotelho.viviane@hotmail.com
ResponderExcluirae. =)
O seu conto é realmente excelente, nunca estive na ECO, mas deu para imaginar a conversa entre os dois numa daquelas atípicas tardes frias e nubladas do Rio.
ResponderExcluirFoda demais, meu caro. Me sinto tão repetitivo nos meus comentários...sempre elogio, acho foda, vocabulário erudito e bom desenvolvimento...não posso deixar de falar que faz tempo que não comento também e peço-lhe desculpas por tal. Enfim, cara, você sabe o quanto admiro suas obras, ainda mais se ela for me lembrar de Los Hermanos, me recordei fortemente do trecho: "E se eu fosse o primeiro a voltar pra mudar o que eu fiz quem então agora eu seria?"
ResponderExcluirAbraços!
Um adendo se faz necessário: o Fabio tá se superando a cada comentário, hein, puta que pariu! Blog do Champz, up!
ResponderExcluirLindo o seu texto.Você escreve sobre pensamentos e sentimentos muito profundos.Seus contos são muito bons.É difícil encontrar alguma coisa REALMENTE boa na internet.Parabéns.
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