Em espera

Bom, infelizmente meu tempo é curto
E nao sei se caracteres em uma tela
Terão paixão ao aparecer pra você.

Você é um tipo de Romeu virtual...
E quero que continue sendo, enquanto essa for nossa realidade possível.
Até a minha tela poder ser seu rosto de novo e a sua o meu...


Dragão Filosófico

Racional

A umidade nas folhas mostrava o calor que a estava atormentando, perdida em uma clareira entre tantas árvores altas e folhas mortas caídas no chão. Formavam um belo tapete, mas ela não podia afastar do pensamento o fato de que também formavam um túmulo adequado para acolher sua cria. Sabia ser isso parte da vida, pois a natureza não lhe negava nada e nem permitia ter seu desejo negado. Seu filho se estendia ainda morno sobre o forro bucólico; sua boca estava seca de tentar acordá-lo em vão. Após tantas tentativas frustradas, ela desistiu e se deitou ao seu lado. Não estava propriamente inconsolável, mas bem ciente da tristeza que cobria aquela cena.

A cena não poderia ser mais banal: cada criatura capaz de fazer barulho por entre as folhas o fazia, cacofonia inabalável e intermitente. O som entrecortado de pios e arrulhos e guinchos e lamúrios de seres famintos ou libidinosos compunha uma sinfonia de tamanha variação rítmica que seria quase insuportável para ouvidos destreinados. Os próprios ouvidos da mãe, antes abaixados por respeito ao seu filho, saíram de um silêncio interno para se atordoarem com o espantoso volume que se sucedia ao seu redor. Esses mesmos ouvidos a levaram para onde estava agora, quando um estampido violento assustou aves para fora de seus ninhos momentos antes. O tempo ocorrido entre o curto estouro e a corrida até a clareira pareceu uma eternidade, até mesmo para ela, que pouco entendia de tempo. A revoada ainda se agitava no céu no momento em que ela deitou seus olhos no espaço aberto da mata, verde maculado por um filete vermelho que corria entre algumas folhas mortas. O líquido morno dava vida àquela matéria orgânica depositada caprichosamente no solo. O calor ainda atormentava a cabeça dela.

Foi quando uma outra fonte de calor chamou sua atenção para um lado próximo da clareira. Na verdade, havia toda uma trilha quente que ligava o corpo estendido no chão a um filete de fumaça que vinha da mata. A trilha era acompanhada de um forte cheiro amargo, estranho ao ambiente. A mãe não compreendia o que se passava, mas instintivamente entendeu o que viria a seguir. Eriçou suas orelhas e apurou seu faro, mas era tarde demais, sabia que não seria capaz de reagir. Apenas tentou cercar seu filho, protegê-lo do que quer que viesse tentar se aproveitar de seu corpo inerte. Ela se recusaria a partir vendo sua cria sofrer.

O estampido foi de uma rapidez piedosa. O calor e o susto a fizeram se sentir desconfortável a princípio, mas a mãe se esforçou para parecer calma diante dos olhos vazios de seu filho. Deitou-se ao seu lado a tempo de ver uma criatura estranha e alta vir em sua direção através da vegetação. Fechou os olhos e deixou vir a escuridão. Ou a luz.

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O homem estava deliciado com o resultado. Como era sortudo! E também inteligente, é claro... Sua astúcia lhe rendera uma ótima caça. Não acreditava como esses animais eram estúpidos. Bastou acertar o filhote e vejam só, ponto a favor do mais evoluído... Após esbravejar suas comemorações para a mata a atirar uma vez mais de forma a afastar aquelas malditas aves barulhentas, recolheu seu prêmio e voltou para casa pensando na melhor maneira de contar seu feito para os amigos.

Alegoria da minha paz

Primeiro foi a tevê. A sala ali, estática, agindo como se não se importasse. E lá foi o aparelho, seguido pelo rádio e seus arrojados alto-falantes  Carlos estava sentado no sofá, e agora não havia mais sofá. Ele olhou a cena distante, logo ali do seu lado, mesmo assim distante, e perdeu sua noção de espaço junto com a mesa de centro, que levou com ela os controles e a decoração de cactos artificiais. As paredes entraram na contradança, e de repente Carlos viu que tudo ao seu redor estava em um baile estranho. Concentrou-se um pouco e observou o horizonte, vendo o asfalto e as árvores serem suspensos no ar. Cada prédio, cada pedestre estava sumindo no ar. Logo não havia mais ar.

Depois foram as certezas. Saíram em disparada de sua cabeça aquelas ideias que acostumaram Carlos a ficar acostumado a elas. Perderam-se na fuga o preconceito, o racismo, a fé e a moral. Estavam entre essas ideias mais outras, muitas outras, mas se perderam. Os rostos dos conhecidos e as figuras que lhe disseram ser necessário conhecer; tantas pessoas enchiam sua memória e em meio a um caos controlado elas simplesmente saíram. Levaram consigo toda arte, guardaram nos bolsos o que acharam de ciência. A filosofia, rabugenta embora sociável, ficou. Não sobrou mais nada, cada gota ou grão de lembrança debandou de Carlos e o deixou sem saber ao menos quem era ou se alguém era.

Embalado por uma certa agonia, Carlos tentou em vão ficar cônscio daquilo que se passava, mas não havia mais consciência - ele estava reduzido a si.

E seu pensamento.

Primeiro veio o pensamento. Não partira de verdade, apenas estava mais vívido agora. Livre de tudo o que fosse, solto do mundo, Carlos era. Ele era algo em construção. Cada peça que antes compunha Carlos estava ausente, mas ainda assim ele era algo.

Carlos era. Justificando-se por uma lógica irrefutável, compreendeu ser seu saber fruto e prova de sua existência antes de qualquer outro pressuposto. Era necessário um ente para que houvesse o saber.

Carlos era um. Apenas uma voz se pronunciava em sua mente. Podia ser confortável tentar apoiar sua lucidez em outras existências, mas sua individualidade lhe garantia tanto a liberdade de ser quanto a responsabilidade de sê-lo.

Carlos era um homem. Um punhado de impulsos elétricos percorrendo a massa anamórfica de células. Uma mente. Um ponto sem espaço nem tempo, um vácuo no qual residia seu eu. Ele então compreendeu sua humanidade - ser alguém em lugar ou instante algum, e ainda assim se fazer presente no seu devido local e momento.

Depois veio a calma. Toda a energia morna acumulada naquele momento de ignorância, espanto e reconhecimento explodiu em uma serenidade reluzente. O calor percorreu átomo por átomo dos seus membros e descansou na ponta de seus dedos. Carlos foi tomado por uma sensação perene e isso o deixou feliz. Sequer havia resolvido qualquer que fosse a questão, mas sorria ao perceber-se capaz de questionar. Talvez a vida se tratasse disso. Carlos não mais se importava, não se importava com resoluções ou propostas, compreendendo ser seu rumo apenas o caminho.

Sobre uma certa viagem

12:06
As obrigações para com o mundo colocavam um Rapaz neste exato lugar, nesta exata hora.O banco do ônibus era o último lugar no universo que ele gostaria de estar agora. A coletividade tornava-o incapaz, a mercê de quem viesse e se servisse do espaço em anexo. Achava realmente desconfortável estar assim tão próximo de algum possível contato aberto com a humanidade, em toda a sua amplitude, mas até agora o cosmos conspirou a seu favor: o território conquistado ainda se encontrava imaculado.

12:17
Seu constrangimento era evidente; fones de ouvido, mochila no colo e um olhar fugidio eram suas muralhas. Até agora ninguém havia ousado quebrar o silêncio imposto, nenhuma senhora sedenta por frivolidades ou trabalhor disposto a resolver as desigualdades do mundo com conversas politizadas. Tudo corria bem, dentro do possível. E dentro daquele ônibus saculejante.

12:21
A porta traseira abre, pessoas são empurradas e um profeta de coletivos assume posição de combate diante da catraca - ele era a perfeita figura de um algoz. A paz até então reinante ruiu.

12:24
Palavras desconexas, relatos de uma vida sofrida (e recorrente entre esses profetas; eles podiam até ter retórica, mas nem um pouco de imaginação), panfleto com mensagens genéricas e um pedido por trocados, em troca de paz de espírito e Jesus. O Rapaz engatilhou sua melhor expressão estóica e lutou como pôde. Queria apenas que aquela provação acaba-se. Talvez até passar uma lição para o torturador profeta: "Você acha mesmo que Jesus foi o semideus templário e ariano que você fica caricaturando? Pare de assistir televisão e vá ler um livro...".

12:25
Quando achava que toda a emoção da viagem havia terminado, o Rapaz de repente sente seus olhos atraídos de volta à catraca. Não esperava encontrar logo ali alguém que despertasse seus sentidos assim tão abruptamente. Conseguiu se manter aparentemente calmo, mesmo ficando arrepiado. Uma mulher que o deixasse assim, arrepiado, era algo raro. Era uma beleza rara, dessas que não se encontra em um ônibus. O Rapaz ficou sem ação.

12:25:47
Ela finalmente segue pelo corredor, buscando um lugar. Ele tenta, sem confiança, fixar seus olhos nas correspondentes esmeraldas da mulher. Naquele instante reconhece o valor de uma pedra preciosa: a sua raridade. Entende porque homens mataram e escravizaram por causa de um mineral tolo. Eles sabiam que essa simples pedra escondia uma mulher como aquela dentro de si! Agora era a mulher quem possuía a pedra em si, mas não a escondia. Exibia-a com orgulho e naturalidade.

12:25:55
Cada pelo do corpo do Rapaz tenta se lançar ao ar, buscando o infinito longe deste exato lugar, desta exata hora. Querem escapar do que temem acontecer quando a mulher finalmente se sentar ao lado dele. Ela está tão próxima!

12:26:55'15
Passa em sua cabeça, em sequência, cada figura feminina que registrara em sua vida. Nunca houve tamanha beleza, nem magnetismo... Se sentia atraído por ela como um imã tolo e poderoso demais para seu próprio bem.

12:26:56'15
Ela se senta. Ele não sabe o que fazer, nem se deve fazer algo, na verdade. Apenas sorri.

12:27:02'00
"Aceita uma bala?"

12:27:04
Ela aceita e sorri de volta.

13:06
Seu ponto passou havia 15 minutos, mas ele não se importava. Cada minuto da conversa valeu a pena, e o número de telefone anotado na sua mão simplesmente o fazia esquecer de todas as outras obrigações para com o mundo - quem se importava? Quem merecia a sua atenção agora era aquela com quem ele esperava descobrir a beleza da humanidade. Enquanto isso, o ônibus segue saculejante por seu caminho cíclico, sem fim. Os profetas de coletivo, os trabalhadores e as senhoras decoram a viagem e todos os possíveis futuros que irão descer dela.

Passagem

Era certo haver naquela tarde um clima mais pesado que o usual. Não queria sair perguntando ao vento o que estava errado, tampouco queria ouvir a resposta. Decerto o vento era presença mais agradável que qualquer um, era um ótimo ouvinte e companheiro. O Rapaz estava irritado era com as pessoas. Cada palavra cuspida ultimamente por elas estava tornando sua vida uma progressiva tortura. Sequer sabiam elas seu nome, talvez nem notavam sua presença ao redor. Elas só viam o que lhes convinha no mundo, e se não precisavam dele, simplesmente o ignoravam.

Com esses pensamentos no bolso, o Rapaz andava por um dos corredores frios de sua faculdade. O chão de pedra apenas tornava mais gélida a via crucis até sua sala de aula. Compenetrado em sua procissão, esbarrou distraído em um velho que cambaleava no sentido contrário. O Rapaz parou para se desculpar, notando que o idoso balbuciava algo para si, com olhos vazios e atônitos, e essa cena deixou-o intrigado. Se sentindo desconfortável, botou uma mão no ombro do homem e perguntou:

- Está tudo bem com o senhor?

Como se ele acordasse de um transe ou um sonho, voltou seus olhos lentamente para o Rapaz. Abriu um infantil, porém deprimido sorriso e, com uma voz experiente e cansada, respondeu:

- Ah! Não tinha te visto... Está tudo como deve ser, a vida é a gente quem faz, não é?

- Se você diz...

- Não! Não sou eu quem diz, é a própria vida. Meu jovem, eu que lhe pergunto, tudo bem com você?

Em qualquer outro momento, esse questionamento enfadonho faria o Rapaz se deleitar ao imaginar um enorme buraco negro sugando a senil aparição. Mas havia na voz dele um tom agradável, impedindo que a atenção fosse desviada. O estudante se viu impelido a responder sinceramente àquela criatura triste e frágil. Suspirando, falou:

- Eu estou ótimo... As pessoas é que parecem não estar bem comigo por perto. Também não posso reclamar por me desejarem mal, apenas acho que elas simplesmente não desejam, não me sentem nem me percebem.

- Meu caro, acredite: sei precisamente como se sente! Melhor que ninguém, posso lhe dizer que você está enganado. Se incomoda de se sentar um pouco comigo? Como vê, estou velho e cansado, não se deve deixar um velho falante em pé - ele tende a falar mais e mais. Vamos, sente-se aqui.

O banco indicado se encontrava em uma parte aberta do corredor, por onde o sol entrava e trazia um pouco de luz e calor ao ambiente recluso. O Rapaz se sentou distraído ao lado do velho, enquanto esse se ajeitava devagar sobre o assento. Paciente com a inesperada nova companhia, ele ajudou-o e cruzou as pernas, observando o movimento de pessoas à sua volta. Elas cruzavam pela sua frente sem aparentemente notar a cena pitoresca; parecia ao Rapaz que apenas ele tinha consciência da presença do velho ali ao seu lado, presença essa tão incomum. O velho parecia também acompanhar o andar dos passantes, e por fim disse:

- Cada passo para eles é tão curto! Sinto que deixei de dar apenas passos há décadas! Hoje sei que cada metro avante é uma odisseia para meu corpo. Isso o torna um herói, não é? - ele deu uma risada sarcástica, parou por um momento e prosseguiu - São esses os causadores da sua aflição?

- Estou sempre cercado por eles - o Rapaz sorriu irônico, mas com certo desamparo - O mais engraçado nisso tudo é que eles todos convivem muito bem entre si, e só eu pareço me sentir sozinho.

- Diabos, vocês crianças sempre se julgam diferentes. O que vocês sabem? Ouça bem e talvez você aprenda: quem lhe segrega é você mesmo. O quanto eu custei para aprender isso! Hoje estou muito bem resolvido com isso.

- Você aparenta ser tão solitário. Duvido que seja assim tão bem sucedido, senhor...? Err... Como é mesmo o seu nome?

- Em nenhum momento eu mencionei sucesso. Nem meu nome. Seja mais perspicaz! Os anos se avolumam sobre minha costas, e para cada vela no meu bolo há uma grande decepção. Vivi na espera de um grande amor, uma forte amizade, esperei tanto! O que eu quero lhe dizer é... É que você não pode ficar simplesmente culpando os outros, sabe? Levante-se e faça você essa amizade ou amor, é o que digo, levante-se e fale! Quem me dera eu tivesse alguém falando isso para mim na juventude...

- O senhor está abalado, acalme-se um pouco - realmente havia uma lágrima no rosto enrugado do velho, uma gota de lástima ou de ímpeto - Se servir de consolo, foi um prazer lhe conhecer. Sério. O senhor é um homem muito inteligente, lhe falo honestamente.

- Muito obrigado, meu jovem, você está sendo generoso - o idoso desolado deixou escapar um sorriso de satisfação.

- Deixa disso, suas palavras foram realmente esclarecedoras!

O Rapaz pousou confortavelmente sua mão sobre o ombro do velho entristecido, que deitou um olhar profundo em seus olhos e depois se voltou para o chão. Aquele chão de pedra era impiedoso, frio e implacável. A figura senil parecia reunir forças para quebrar o silêncio que se seguia, esfregando as mãos nos joelhos. Enfim se levantou, mais calmo, acompanhado do Rapaz. Sorriu uma despedida tímida e começou a se dirigir sozinho para as escadas na saída do corredor escuro, dizendo sem se virar:

- Guarde bem minhas palavras.

O Rapaz acompanhou atônito a odisseia do velho rumo às escadas por alguns instantes. Quando o idoso estava a apenas um metro do primeiro degrau, o estudante de repente se agitou e gritou:

- Espere! Você não me disse seu nome...

- Sim, é verdade... - o homem, virando a cabeça de lado, sorriu pelo canto da boca - Meu nome é Ostracismo. Talvez um dia você esqueça meu nome, talvez esqueça que me conheceu. Tanto melhor. Adeus!

O Rapaz se manteve atônito na mesma posição, enquanto via sua recente companhia sumir nos lances das escadas, passando fluidamente por entre as pessoas apressadas que subiam e desciam ao seu redor. Apesar de tão pitoresca figura, ninguém parecia notar sua presença.

Terra bailarina

O vento na face, quem faz não é tão
Concreto ou tangível, não posso tocar
Mas há uma presença secreta no ar
Vivendo escondida no giro do chão

Tamanha é a força de tal rotação
Que prende meus pés, me impede o voar
Quem voa inerte no vácuo é meu lar
Por entre o silêncio e a escuridão

Escuro é o palco que a bailarina
Se lança, na dança, com passo imortal
Em cada compasso, ballet é sua sina

Menina dos olhos de seu morador
Eu sinto o vento e sei, não há mal
Apenas os passos, o céu, seu calor