Umas frases de desencontro

Espero cada minuto, cada
Segundo, cada instante

Olho para o relógio, mas
Ele teima em ficar parado

Procuro o que fazer,
Mas não há nada importante

Nada que consiga me
Manter ocupado

Nada que consiga ser
Tão constante

Quanto o desejo
De estar ao seu lado

- ----- -

Você destrói o meu
Discernimento

Me sacia através
De sofrimento

O tempo voa
Preguiçoso, lento

Até o momento
Em que sai em disparada

Você, próxima
Misteriosa e calada

Me olha e me mata
Sem dizer nada

Ironicamente
Com a vida acabada

Me sinto mais vivo
E você é a culpada

Pois é o veneno
Que mais me agrada

Debaixo da arrebentação

Aquele homem possuía fortes lembranças de uma certa ponte da cidade. Frequentara quando criança, usando-a de trampolim para mergulhar em um infinito salgado e se deixar levar pela maré. A ponte que abrigava barcos, a que sustentava carros, que equilibrava pedestres. Passarela branca sobre a entrada de uma área protegida perto do porto. Ele a cruzava nos dias de chuva, sempre olhando para o mar que lhe banhava os pés, nunca sabia se da ponte ou dele. Sob sol de verão, não importava. O corpo buscava mergulhar até a base da sustentação, parecia ser uma provação chegar tão fundo só para mostrar ser capaz! E ele era. Seus pulmões doíam enquanto apenas um punhado de raios solares iluminava os pés daquela apoteose submersa, invisível a olhos distraídos.

Passaram-se anos e o homem se distanciou. Era homem do continente agora, insensível à maresia quase sólida daquele antigo recanto. Ele era homem telúrico: desaprendeu a nadar. Nem chegou a reparar quando isso aconteceu. Também ignorou quando suas narinas desacostumaram ao cheiro constante do sal, assim como a pele foi se tornando seca. Vivia sobre o chão que equilibrava prédios, sustentava avenidas e abrigava poluição. Havia carros, pessoas também, mas sempre retilíneos, enfileirados. O homem sentia falta de algo, mas não sabia exatamente o que.

Constantemente em ofício; O homem era ocupação. Quanto mais se ocupava, mais oportunidades de se sobrecarregar ele tinha. E ele o fazia. Cada vez mais, cada onda de trabalhos arrebentava, exercícios espumavam sobre si, suas leituras corriam para os lados e se derramavam sobre o vazio de uma cama dura e mal iluminada. Apenas o sexo não tinha ritmo. O homem precisava escapar da sua vida e não sabia para onde correr. Sempre escorregava quando começava seus passos.

Fugir era inútil, então ele se entregou.

Apenas deitou e deixou que a maré o levasse um pouco. Lembrou, alegre, daquelas marolas que lhe entregavam aos braços da ponte branca. A imagem não durou muito à sua volta, logo alguém veio lhe trazer à tona. Disseram-lhe que a vida seguia e que era preciso viver para acompanhá-la de perto. O homem mergulhou de novo, várias vezes mais ele tentou se desvencilhar das mãos que o traziam para a superfície, mas sempre havia dedos para agarrar-lhe a gola e impedir que se afogasse. A frustração foi crescendo por dentro, doendo como um pulmão privado de ar. E o ar nunca vinha, apenas goles de água. A respiração rítmica deu lugar a soluços em leve desespero, logo os soluços eram pranto e as lágrimas inundavam o quarto; paredes claustrofóbicas, a água escorria por elas e pelo chão ficava.

Chega um momento em que o ar acaba. Pois nesse momento, a solução do homem foi se afogar.

Imolação

Ela me queima! Essa que perfura
Todo meu frio, essa inverdade:
Você amou! Loucura, é loucura...
Mas a mentira inventa saudades.

Minha lembrança da temperatura
Ainda arde como aquela tarde
De um verão do passado sem cura.
Sem um começo, a cena me arde.

Essa lembrança quente nunca finda,
Nunca irá. Serei cego, ainda
Que a verdade passe com alarde.

À luz do fogo, sei ser incapaz
De qualquer dia alcançar a paz,
Por pura perda irreal que arde.

Nutrir meu pesadelo

Olhos fechando no mundo.
A sensação de perigo
Que me congela o umbigo
Teme o sono profundo.

Sinto teu peso nas costas.
Só, estou preso contigo,
Fardo obeso em abrigo
Sob o que rezo; tu gostas.

Queres que logo me deite,
Sentes a sede, as feras,
Vezes nem mesmo esperas

Para sorver em deleite,
Enquanto meu lobo fores,
As gotas dos meus temores.

Um dia

Vi a vida; ela ria
Da gestão de um novo feto -
Humano, fraco e quieto -
E do destino da cria.

Perguntei-a se havia
Graça em nossa mazela,
Pois a vida ria dela.
Dela mesma ela ria!

"A dádiva e a mazela
São a mesma" disse ela,
"É certo, morre e procria

Para completar seu elo!"
Com um sorriso amarelo
Também ri da ironia.

Alvorada e infância

Sinal fechado. Esquina iluminada, um oásis gélido naquele deserto em breu. Ela caminha a passos lentos na sarjeta, e a sarjeta responde com sons de batidas ocas a cada golpe dos saltos altos e extravagantes. Eles são dourados. Suas alças cobrem uma meia-calça escura, que sobe até se fundir com a saia curta e preta. Casaco felpudo e preto, camisa curta e preta, apenas aqueles saltos brilham na penumbra afastada da luz do poste. E o sorriso de repente se abre, brilha junto dos saltos, em reposta à oportunidade: o carro parado no sinal não anda quando a luz verde acende.

Quebrando o silêncio, o vidro escuro do carro desce para revelar um homem jovem que oferece calor em seu sorriso. Ele parece polidamente convidá-la com os olhos. A mulher, alheia à sutileza do flerte, anda até a janela aberta e se oferece. Aparece um certo desgosto nos olhos do jovem, mas as palavras que surpreendem o sorriso agora quebrantado são ainda mais quentes e firmes:

- Me fale o seu nome.

Ela se surpreende com o pedido, julgando desnecessária tal intimidade assim, tão direta. Pondera sobre ser seguro dizer seu nome verdadeiro, mas na falta de argumentos, ela se deixa levar pelo conforto na voz dele.

- Clara, querido, ao seu dispor - o garoto não responde, se limitando a olhar demoradamente o rosto dela. O silêncio dura alguns segundos desconfortáveis, até que a mulher o espanta com certa impaciência - Então, vai querer levar, mocinho?

Ele aparenta ser alguns anos mais novo que ela. Sua juventude, apesar disso, transparece uma austeridade incomum. Rosto sério, modos educados e um calor que emana do sorriso. Abrindo por dentro a porta do carona, com um convite sem palavras ele recebe de bom grado a companhia vistosa no assento vizinho. A mulher se ajeita sobre o banco e ri quando ele oferece ajuda, achando engraçado todo aquele galanteio. Ele sorri para ela mais uma vez e acelera o carro para dentro da noite.

Amplas ilhas de luz fraca são fornecidas pelos postes que rasgam a paisagem, permitindo um conhecimento parco entre os dois. Ele fixa sua atenção ora nas mãos brancas, ora no perfil da estranha, as únicas partes expostas de seu corpo naquela noite fria. Ela demora seu olhar sobre o jovem quando ele não a encara. Como aqueles olhos são penetrantes, pensa. Ela prefere observar discretamente. Nota poucas peculiaridades nele, além de uma beleza oprimida por ares de solidão, até chegarem em um prédio residencial no centro da cidade.

O carro é parado em uma vaga e o rapaz se apressa em abrir a porta para a mulher, que agradece com um sorriso e se levanta roçando seu corpo no dele. Os pelos arrepiados no braço o deixam embaraçado, e ela aproveita para provocá-lo ainda mais correndo a mão sobre seu peito. O jovem, a despeito de qualquer nervosismo, afasta os cabelos dela com seus dedos em um gesto de afeto. Agora os rostos estão perto, e ele galga centímetros lentamente. O primeiro beijo atrasa o tempo e arrasta um silêncio de deleite enquanto suas mãos a prendem delicadamente perto de si, e ela pensa novamente o quanto aqueles olhos são penetrantes mesmo quando estão fechados. A mulher, sentindo os músculos dele contraídos, apoia o rosto na bochecha do rapaz e sussurra em seu ouvido:

- Agora eu entendi, garoto. Você é virgem... Mas a gente resolve isso, sou uma boa professora.

- Não, não é isso.

- Não precisa mentir para mim. - ela abaixa mais ainda a voz e cola os lábios no ouvido dele. - Vamos fazer o seguinte: essa é por minha conta, mas só porque eu te achei uma gracinha, garoto. - e voltando ao tom normal - Vamos logo, estou ficando ansiosa.

Ele a guia até um elevador, afagando seus cabelos durante a curta subida, e a puxa pela mão até uma porta de madeira envernizada e pesada que traz aconchego a um prédio aparentemente moderno e frio. Assim como aqueles olhos, pensa a mulher, sem conseguir afastar da mente a íris que parecia despi-la muito devagar, talvez com um pudor até infantil. Ela se deixa entrar, absorta na visão da sala com um mínimo de móveis confortáveis, e fica surpresa ao perceber o jovem aparecer logo com taças de vinho e um convite sorridente e tímido para se sentar no sofá. A mulher se ajeita sobre almofadas e ri quando ele lhe entrega uma taça. Agora ela não mais consegue fazer seus jogos vulgares, sendo conquistada pelo ambiente caseiro que apenas tem sua intimidade aumentada quando o rapaz se senta ao seu lado e volta a afagar seus cabelos. Sem poder reagir, nem que realmente o quisesse, ela deita sua cabeça sobre o ombro dele e fecha os olhos por longos minutos.

Longos e sublimes.

Agora tudo corre naturalmente, os beijos mostram aos lábios o caminho até pescoços e ombros. Com os pelos na nuca eriçados e os olhos ainda fechados, ela o visualiza à sua frente tirando seu casaco e blusa. Ela agora tem medo de abrir os olhos, abri-los poderia fazer toda aquela cena desaparecer da sua mente. Um desejo ardente de tatuar aquele momento na sua vida toma conta de sua lucidez; lucidez essa que se esvai quando ele termina de despi-la e a esquenta com seu próprio corpo agora também nu. Amor. Ela não pensa em mais nada. E sabe que ele seria incapaz de fazer-lhe mal.

Agora a alvorada arde levemente nos olhos dela. O sol ainda está parcialmente escondido, mas os primeiros fachos mornos a acordam suavemente. Sentindo uma felicidade profunda, ela busca se situar, e descobre estar envolvida nos braços do rapaz dentro de um quarto, sobre a cama mais aconchegante em que já se deitara. Havia deitado em muitas. Essa lembrança amarga a traz a um estado de remorso, e ela se culpa por seu passado perante uma criatura tão pura e que fora tão sincera. Culpada pelo destino imposto, pensa, mas que ironia.

- Bom dia, Clara...

A voz rouca é sussurrada em seu ouvido com enorme afetividade. Ainda assim, a culpa cresce. Se dilata por dentro. Ela precisa se desculpar, pedir perdão, mas seria completamente incapaz de pôr em palavras sua sensação. Ele nunca entenderia! O que fazer então? Custa a acreditar na resposta que soa baixinho dentro de si, mas afinal se sente decidida, sabendo ser essa a única solução que a deixaria em paz consigo mesma.

Quando abre os olhos, procurando aquela que há alguns minutos estivera sob seus braços, ele a vê vestida e em pé, ao lado da cama. Ela o está observando, parece já estar assim por um bom tempo, e seus olhos estão vermelhos. Parece murmurar um pedido de desculpas antes de desviar seu olhar para o chão. Ele corre para abraça-la ainda nu, preocupado. O silêncio explica a ânsia que se afunda no estômago dela. Nunca antes percebera tamanha magnitude em uma sensação alheia. Quer dizer isso para ela, mas seria completamente incapaz de pôr em palavras sua compreensão. A mulher o envolve em seus braços, espantando-lhe o frio que corre pelo quarto. Eles apenas se abraçam em silêncio por longos minutos.

Então ela sai correndo. Deixa-o estarrecido ao lado da cama, em toda a sua nudez, e corre rapidamente até a varanda. Atravessa o vidro que a prende na sala, há cortes por todo o seu corpo. Os estilhaços voam ao seu redor, voam pela sacada e a acompanham até a queda livre. Finalmente, livre. Mesmo tendo de abdicar daquele que lhe ensinará a sentir...

Desfazendo-se dessas últimas imagens na sua cabeça, ela se levanta.

Da melhor maneira que consegue, ela explica que se sente terrivelmente culpada por seu passado. Se sente suja. Sua vida nunca lhe dera outra chance e ela fez o que tinha de ser feito, mas agora estava arrependida. Cada lembrança contada é acompanhada por uma lágrima sua e um olhar quieto dele. Desabafa as agressões, as perversões e os limites ultrapassados para que pudesse se manter durante anos, sem ser capaz de buscar outra solução. A mulher, reduzida ali diante do jovem, volta a se sentir uma criança que procura outra para acompanhá-la: quer se sentir pura novamente, talvez apenas brincar e depois dormir, acordar mais tarde e ainda ser uma criança. Ele entende e lhe abraça o colo, ainda sentado na lateral da cama. Acolhido por ela, ele entende.

- Não quero nada de você.

De maneira tortuosa, cada um compreende seus desejos. Nenhum som, nenhum barulho naquele quarto agora iluminado amplamente pela alvorada afeta a conversa silenciosa que ocorre entre os olhos penetrantes e a alma infantil. Os amantes brincam e depois dormem. Mais tarde naquele dia, eles irão acordar ansiosos e descobrirão que ainda são crianças.