Buscando um princípio

"Tudo bem, sou uma criança e tenho consciência disso. Mas por que não posso decidir sobre minha vida?!". Eram onze horas de uma estagnada noite. Mesmo a ausência quase total de luz no quarto não impedia Dante de enxergar as paredes pintadas. Ele riu ao lembrar-se de quando começara sua obra de arte. Paredes brancas de um quarto pedem o toque pessoal de seu residente; no caso de Dante, a decisão de registrar dinossauros foi a melhor maneira de expressar o momento. Os giz de cera rasgavam o limite de seu cárcere quando sua mãe apareceu de supetão na porta, trazendo ares de reconciliação e levando um tornado de frustração. Horas antes ela o havia posto de castigo por não fazer seu dever de casa, preferira escrever poemas no quintal de sua avó. O arrependimento durou o tempo de voltar para casa, mandá-lo para o quarto, preparar a janta e ir liberá-lo da punição. Dante não entendera por que sua mãe, ao ver as paredes cobertas de pinturas rupestres, manifestara decepção e cansaço. Esperava receber um elogio, ou talvez fazê-la esquecer dos problemas que vinha enfrentando. Afinal, já haviam passado por dificuldades antes.

"Sei que não podemos comprar brinquedos agora, nem ir ao cinema... Mas qual será o problema de tornar meu quarto mais bonito?". Dante olhou para sua criação e procurou por um instante entender a reação de sua mãe. Não julgava a pintura uma sujeira, mas sim algo belo. Era realmente algo, talvez não tão belo, mas era algo. Algo melhor do que sentar e ver o mundo seguir. Receber deveres idiotas era como se sentar, fazê-los era ligar o canal do mundo na televisão. Dante abriu um largo sorriso, sabia que iria bem no final, contava com sua capacidade de se sair bem sem estudar muito.

"Mamãe ainda está na sala trabalhando, coitada. Talvez amanhã ela veja o desenho e fique mais feliz". De repente, a porta do quarto se entreabriu e o rosto de sua mãe surgiu, cansado. Ela não percebeu que, ao sorrir vendo os dinossauros coloridos, Dante também sorria pelo mesmo motivo. Decidida a se redimir no dia seguinte, ela entrou furtivamente e beijou na testa de seu filho um desejo de boa noite silencioso. Dante o recebeu quieto, esperou ela sair e voltou a divagar sobre os recentes acontecimentos. Não entendia todos os processos que ditavam a situação, mas sabia que a mente humana era complexa demais, o imprevisível deixava-o confuso. Após alguns minutos de profunda reflexão, Dante virou de lado e dormiu, esquecendo enfim dilemas e conjecturas. Voltando ao simples escuro de antes, sonhou com dinossauros coloridos.

Um comentário:

Surpreenda-me.