piso
pulo
olho pro sapato
com o cuidado em errar
every crack on the sidewalk
(on, não in)
toda rachadura na calçada é
uma protuberância
uma exotermia
toda essa liberação de calor
me faz lembrar que o universo não
compreende o frio
a rua ensina duas coisas
uma é a conversar com estranhos
essas nobres figuras
constituídas apenas de passado
a outra é a ter método
caminhar é uma regência
um pé em falso
compasso em 7/8
Das ultrapassagens em faixa contínua
as veias pulsam carros
com média de
1,32 passageiro
carregam o sangue venoso
repleto das impurezas do corpo
a urbe, um corpo
entidade colossal de asfalto
vergalhão e esse cadinho de calçada
a cidade agride suas células
a construção civil odeia a pequena
escala do cidadão
as alimentadoras secam o gargalo
dos bairros avizinhados
tão distantes
tão perto de sufocar
o sangue arterial a plenos
pulmões, bombeado a contrações
nem tem força pra seguir
toda via expressa às seis
é um corredor polonês
Dia diá
sístolediástole
bomba bomba pela artéria o
ar fresco no compasso da valsa
umdois
bom dia, caros ouvintes
a vida segue normal, apenas
levemente engarrafada na Linha Vermelha
sístolediástole
plaqueta ante plaqueta
ninguém à volta sabe
a ciranda que é se manter vivo, ninguém
tem ciência do binarismo contrátil
essencial para coçar atrás da orelha
sístolediástole
a cabeça pendula o lábio boceja a pálpebra
abre os olhos e vê
aquilo que eu vejo
só eu vejo
sístolediástole
desejo desequilibrado
desse jeito que só
o corpo produz em um dia seu próprio peso em atp
sístolediástole
e no mesmo dia consome esse peso
e no mesmo dia consome seu peso
sístolediáspora
e todas as células do meu corpo migram
bomba bomba pela artéria o
ar fresco no compasso da valsa
umdois
bom dia, caros ouvintes
a vida segue normal, apenas
levemente engarrafada na Linha Vermelha
sístolediástole
plaqueta ante plaqueta
ninguém à volta sabe
a ciranda que é se manter vivo, ninguém
tem ciência do binarismo contrátil
essencial para coçar atrás da orelha
sístolediástole
a cabeça pendula o lábio boceja a pálpebra
abre os olhos e vê
aquilo que eu vejo
só eu vejo
sístolediástole
desejo desequilibrado
desse jeito que só
o corpo produz em um dia seu próprio peso em atp
sístolediástole
e no mesmo dia consome esse peso
e no mesmo dia consome seu peso
sístolediáspora
e todas as células do meu corpo migram
Esquadria quarta medida
da janela em um outro planeta avisto
a Terra diminuta, projetada
instantes de atraso ao olhar
incauto do momento presente
um homem corta um nabo
o fio do gume desliza por entre a
carne do vegetal e secreta
uma saliva
a língua seca do homem
explora o encontro dos lábios
olho através da janela da cozinha
n'outro planeta há também nabos
e homens
por ora incautos
do presente
a faca termina o corte
o fim do movimento coincide
com o olhar
sobre a mancha escura
defronte a vista
um composto
estéril de metais vindos
da Terra
corta uma vida ao meio inexato
instantes antes
o planeta recebe o tempo projetado
no intervalo em que o homem
busca o nabo
com a ponta dos dedos
a boca seca a língua um segundo
o nabo vai à
mancha negra
esfrega sobre a camisa
acidentada do shoyo
o homem incauto
um átimo para tudo
dois segundos param o olhar
repousa
sobre os restos de jantar, peixe, arroz
e vegetal
só me resta a boca
seca
depois do shoyo
vem a bonança
e uma brisa lá de fora
a Terra valsa no tempo
em que some a mancha
e eu avisto através
da janela da cozinha
um outro planeta
a Terra diminuta, projetada
instantes de atraso ao olhar
incauto do momento presente
um homem corta um nabo
o fio do gume desliza por entre a
carne do vegetal e secreta
uma saliva
a língua seca do homem
explora o encontro dos lábios
olho através da janela da cozinha
n'outro planeta há também nabos
e homens
por ora incautos
do presente
a faca termina o corte
o fim do movimento coincide
com o olhar
sobre a mancha escura
defronte a vista
um composto
estéril de metais vindos
da Terra
corta uma vida ao meio inexato
instantes antes
o planeta recebe o tempo projetado
no intervalo em que o homem
busca o nabo
com a ponta dos dedos
a boca seca a língua um segundo
o nabo vai à
mancha negra
esfrega sobre a camisa
acidentada do shoyo
o homem incauto
um átimo para tudo
dois segundos param o olhar
repousa
sobre os restos de jantar, peixe, arroz
e vegetal
só me resta a boca
seca
depois do shoyo
vem a bonança
e uma brisa lá de fora
a Terra valsa no tempo
em que some a mancha
e eu avisto através
da janela da cozinha
um outro planeta
Cardigan preto sobre a rede de dormir
o café frio que me serve não
estraga o gosto que ficou
do seu cabelo
embora embrulhe um pouco o estômago
no trajeto para casa
eu me perco
em pensamentos de futuro do pretérito
o que seria de quinta
sem o teu bom dia?
chego em casa, tiro a roupa
e me sobe o aroma de suor
de novo
repito os passos até aqui
para lembrar se não sonhava
para lembrar do seu rosto
de mil cheiros e faces
que não enxergo com a miopia, mas
com a palma da mão que toca as curvas
da bochecha rosada de calor e tesão
ou vergonha tola sob o meu corpo
eu desbravo cada polegada desvairada
da epiderme que protege teus órgãos
da pressão do mundo lá fora e
desço a beijar sua flor
meio arisco
meio carinho
estraga o gosto que ficou
do seu cabelo
embora embrulhe um pouco o estômago
no trajeto para casa
eu me perco
em pensamentos de futuro do pretérito
o que seria de quinta
sem o teu bom dia?
chego em casa, tiro a roupa
e me sobe o aroma de suor
de novo
repito os passos até aqui
para lembrar se não sonhava
para lembrar do seu rosto
de mil cheiros e faces
que não enxergo com a miopia, mas
com a palma da mão que toca as curvas
da bochecha rosada de calor e tesão
ou vergonha tola sob o meu corpo
eu desbravo cada polegada desvairada
da epiderme que protege teus órgãos
da pressão do mundo lá fora e
desço a beijar sua flor
meio arisco
meio carinho
Casco sem atrito sobre o asfalto
Estou tomado de uma potência que me faz querer cavalgar o carro pela madrugada sem um rumo que baste. Quero arregimentar ombro a ombro meus infantes contra o moinho - sou o campeão das justas travadas na tundra urbana. Com a lança atravessada nas pás ou no peito do dragão dos ventos, eu cochilo e sonho e acordo entre acordes de Milton. Bastam-me alguns acordes! Quero rebentar as cordas contra a solitude do silêncio, que alegria é fazer melodia e dissonar.
Destilar a felicidade é uma alquimia distante tal qual o ouro curado do plumbum metallicum feio e maleável usado pelo homem para tantos fins que nem o ouro seria capaz de suprir. Por que então vale mais o ouro? A felicidade é essa áurea utopia: de nada vale, senão para iluminar a trilha dos reis magos. Sigo montado no dorso do carro através do breu piscado dos postes, degustando o vento no rosto.
Dominar a liberdade é um masoquismo sensual e inútil que chicoteia o próprio lombo para estimular o ritmo. De que adianta correr sem chegar? A liberdade é um combustível: da natureza não se extrai mais energia do que nela já circula, damos-lhe novos fins e isso tem de bastar. Agarro-me às rédeas dos cavalos mecânicos para me manter em movimento. Eu não posso parar.
Chegar ao fim foi, entretanto, ou será inadiável.
Destilar a felicidade é uma alquimia distante tal qual o ouro curado do plumbum metallicum feio e maleável usado pelo homem para tantos fins que nem o ouro seria capaz de suprir. Por que então vale mais o ouro? A felicidade é essa áurea utopia: de nada vale, senão para iluminar a trilha dos reis magos. Sigo montado no dorso do carro através do breu piscado dos postes, degustando o vento no rosto.
Dominar a liberdade é um masoquismo sensual e inútil que chicoteia o próprio lombo para estimular o ritmo. De que adianta correr sem chegar? A liberdade é um combustível: da natureza não se extrai mais energia do que nela já circula, damos-lhe novos fins e isso tem de bastar. Agarro-me às rédeas dos cavalos mecânicos para me manter em movimento. Eu não posso parar.
Chegar ao fim foi, entretanto, ou será inadiável.
Bula em tercetos
toda vez que for sair de casa
abra a porta como se
rasgasse uma placenta
se abrir uma janela
pule por ela
com os olhos
tanto quanto for possível
ande a pé
e tome a rua errada
abra a porta como se
rasgasse uma placenta
se abrir uma janela
pule por ela
com os olhos
tanto quanto for possível
ande a pé
e tome a rua errada
Ebulindo
o pobre
coitadinho, não percebe a morte e a vida
na tevê pendurada na cozinha
ligada no espetáculo policial enquanto
a empregada faz feijão preto na pressão
coitadinho, não percebe a morte e a vida
na tevê pendurada na cozinha
ligada no espetáculo policial enquanto
a empregada faz feijão preto na pressão
O penhasco na beira da rejeição
um quasímodo no beiral
que canta e bebe o vinho
pulando agarrado na corda do sino que dobra às duas, às três
e cai
despenca para a morte como acontece
em todas as mortes da disney
e não se entende por quê poupar crianças
da violência que é a morte para quem
fica
parado
no beiral
tua boca, as igrejas
elas tem uma torre
e uma torre apenas
e se vê as colinas ao largo do horizonte
com o sol de inverno
se vê mesmo as placas azuis
com nomezinhos portentosos
ditando as ruas
e já não sei o que é paixão e
o que é
recusa, não sei se avanço
ou peço perdão
nos beirais,
um vacilo e a queda
que canta e bebe o vinho
pulando agarrado na corda do sino que dobra às duas, às três
e cai
despenca para a morte como acontece
em todas as mortes da disney
e não se entende por quê poupar crianças
da violência que é a morte para quem
fica
parado
no beiral
tua boca, as igrejas
elas tem uma torre
e uma torre apenas
e se vê as colinas ao largo do horizonte
com o sol de inverno
se vê mesmo as placas azuis
com nomezinhos portentosos
ditando as ruas
e já não sei o que é paixão e
o que é
recusa, não sei se avanço
ou peço perdão
nos beirais,
um vacilo e a queda
As intempéries do gozo
a cada lufada, o vento me rasga um corte
na pele e se abrem poros
que vazam tempo
pedalo
meu corpo demanda menos para sustentar
eu tenho tempo
tempo
e produzo na mesma
medida em que ele escorre
em proporções irregulares e justas pelos cortes
sinto os músculos trabalhando em
cada pedalada e o asfalto não
oferece atrito na bike velha
as rodas famintas sorvem o asfalto
e as pessoas passam
tempo asfalto crianças
e a matilha de vira-latas tão dona
da ciclovia quanto eu
felicidade dói
mas a dor sai
barata
no escambo com a sorte
na pele e se abrem poros
que vazam tempo
pedalo
meu corpo demanda menos para sustentar
eu tenho tempo
tempo
e produzo na mesma
medida em que ele escorre
em proporções irregulares e justas pelos cortes
sinto os músculos trabalhando em
cada pedalada e o asfalto não
oferece atrito na bike velha
as rodas famintas sorvem o asfalto
e as pessoas passam
tempo asfalto crianças
e a matilha de vira-latas tão dona
da ciclovia quanto eu
felicidade dói
mas a dor sai
barata
no escambo com a sorte
Azul
bem aventurado, aquele que acorda defronte a ti depois da noite meio dormida há o calor, decerto há um calor por entre e ao redor dos corpos que causa radiação no quarto e irá durar as horas do dia, mas há por cima o azul do sol peneirado pela cortina mal fechada na pressa anterior ao sexo a cortina tem essa fresta vertical recente, mas não se pode ignorar a grande faixa de horizonte aparente descolada do chão, consequência de um pequeno erro de cálculo na hora de furar as buchas na parede e suspender a armação o lençol, as roupas por todos os lados possíveis, os celulares e carteiras e relógios cartesianamente dispostos sobre o único móvel do quarto quase vazio representando uma nesga da nossa personalidade metódica todo esse quadro se repete quando acordo, com sorte olho para o lustre e me ofusco apenas para fechar as pálpebras e enxergar uma mancha que sempre está lá essa mancha é azul e em absoluto não tem cor azul é a cor da tua saia num mafuá de tecido ao pé do colchão; você, por hábito, tão bem vestida, quase me faz desistir de desenlaçar os panos que te cobrem, por não querer desalinhar a figura não sei desenhar linhas retas, afinal meus círculos, quando muito, são elipses - entretanto o azul se recusa a ficar torto se tentasse te desenhar, pintaria fora das linhas com o giz de ponta grossa e o pó do rabisco iria ao chão se juntar aos sapatos esse pó não será varrido nesta manhã quente, mas o azul
dos teus olhos me restam a mancha que sempre está lá e em absoluto não tem cor
dos teus olhos me restam a mancha que sempre está lá e em absoluto não tem cor
Uma mulher come uma maçã
Parte 1
a boca sorri e é até bonita ela me cheira eu só a conheço o resto não faço ideia do que seja eu só a conheço pode-se dizer que estou apaixonada vermelha como eu como um espelho eu como o sol para ficar forte e crescer quem sabe me tornar adulta ter filhos não quero morrer por que pensei nisto? a boca me sorri e eu levito ela me dá banho com massagem firme sobre minha pele vermelha ah eu fico tão envergonhada não quero que ninguém veja o meu sexo minha pele agora tá frio e eu perdi o sol que repousava sobre a minha cama minhas irmãs continuam deitadas elas são mais novas eu queria vê-las ficar forte e crescer quem sabe se tornar adultas não quero morrer não tá mais frio estou enrolada em papel toalha será que volto a ver o sol? já sinto fome cadê a boca? não quero morrer ah o sol a boca sorri e fala sem dúvida ela é linda está mais vermelha que antes quase brilhando nesse sol estou completamente apaixonada a boca fala fala para de falar e eu levito argh por que fez isso eu te amava tanto podíamos ser argh pare por favor argh eu nunca te ahh
Parte 2
cesta: hey
mulher: bom dia
maçãs: bom dia
mulher: quero você
maçã: eu não entendo nada do que você fala mas o que eu mais quero neste mundo é estar com você para sempre o que é você?
mulher: só uma melhor te lavar
maçã: você cuida tão bem de mim eu sou saudável demais está vendo acho que vou sentir saudade da minha família quando eu partir com você seja lá o que você for
mulher: tchau
cesta: tchau
Parte 3
A natureza persegue mesmo um ciclo incessante de equilíbrio através do embaralhamento das moléculas que compõem seu sistema hermético incapaz de perder apenas responsável por criar. E como é possível criar tanto, tanto, sem nunca perder? É uma grande esfera de raios não equidistantes não propriamente uma esfera, por assim dizer, cuja matemática os homens tentam adestrar e o zero continua um mistério.
Quais são as propriedades do zero?
Uma mulher come uma maçã.
O zero é mais indivisível que o átomo.
Te inalar como éter me torna o contraste de um negro vício
me pego mesmo de vez em quando
pensando
se nosso sítio terá um bom wifi
ou vasta grama para rolarem nuas
as nossas crianças, essas pequenas apostas
elas herdarão nossa rábica teimosia?
espero sincero que sim
assim como a obsessão metódica com
tudo aquilo que não precisa de organização
e a preguiça eterna que se enterra no lençol
Descendência do ferro contra as achas da madeira negra
o machado sobe um lenhador corta achas da madeira negra, rústica dos fungos e das manchas de terra, a madeira negra que cerca sua casa embrenhada na floresta das terras ao sudeste da cidade ele se chama lenhador porque corta achas em um golpe seco que desmembra a fibra, golpe seco que repete, golpe seco que repete e repete as metades siamesas se dividem sob a profissão do homem que mora na casa escondida pelas árvores, tão longe da cidade seu filho sai da casa e se aproxima para observar a descendência do ferro contra as achas o filho faz o lenhador se sentir gente homem sempre que lhe dirige a palavra, mas o lenhador fala pouco
O machado desce.
o machado sobe o filho tem anos de menino e ainda não pode se chamar de lenhador, assim se evita a confusão com o próprio lenhador, ele mesmo o único da profissão nas léguas que cobrem daquela casa escondida até a cidade o noroeste é longe e o filho gosta de quando vão à cidade comprar charque com o escambo do carvão que fazem no fundo da casa a sujeira e as sarjetas da urbe enjoam o lenhador, que respira lento o ar puro da floresta e desinfla a força
O machado desce.
o machado sobe canta o tordo sem se abalar com os golpes do lenhador cem línguas ele fala, dizia o avô quando ainda ao redor, e cem assobios imitava o tordo junto ao velho um machado nunca vence o assobio, este tem a harmonia do continuar o machado toca uma nota repetida no ouvido do filho, nota repetida que lembra o avô, nota e arrisca imitar o tordo nas madeiras negras que cercam a casa, só há lenha e tordos para se orquestrar
O machado desce.
o machado sobe o lenhador repara no filho e lembra do avô ele se percebe pai dos passos do filho já não sabe se o filho será tordo ou lenhador, mas ele mesmo espera um dia ser avô
O machado desce.
o machado sobe o filho tem anos de menino e ainda não pode se chamar de lenhador, assim se evita a confusão com o próprio lenhador, ele mesmo o único da profissão nas léguas que cobrem daquela casa escondida até a cidade o noroeste é longe e o filho gosta de quando vão à cidade comprar charque com o escambo do carvão que fazem no fundo da casa a sujeira e as sarjetas da urbe enjoam o lenhador, que respira lento o ar puro da floresta e desinfla a força
O machado desce.
o machado sobe canta o tordo sem se abalar com os golpes do lenhador cem línguas ele fala, dizia o avô quando ainda ao redor, e cem assobios imitava o tordo junto ao velho um machado nunca vence o assobio, este tem a harmonia do continuar o machado toca uma nota repetida no ouvido do filho, nota repetida que lembra o avô, nota e arrisca imitar o tordo nas madeiras negras que cercam a casa, só há lenha e tordos para se orquestrar
O machado desce.
o machado sobe o lenhador repara no filho e lembra do avô ele se percebe pai dos passos do filho já não sabe se o filho será tordo ou lenhador, mas ele mesmo espera um dia ser avô
O machado descansa. O pai assobia ou chama o filho às achas de madeira.
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